terça-feira, 5 de setembro de 2017

Aching

Eu tenho uma dor que me dói feito punhal cravado no peito.
Essa dor que me faz escrever um verso clichê desses.
Eu tenho essa dor e essa dor me tem.
É que a perda é assim: disforme e latente.
Cheia de ruído, mas é um barulho que às vezes faz poesia.
E às vezes faz morte.
Eu tenho essa dor que ontem fez minha visão virar mar.
Eu tenho essa dor e essa dor me tem porque não tenho mais ela.
Eu tenho essa dor e essa dor me faz outra pessoa.
Eu tenho essa dor e ela até me fez voltar a escrever.
Eu tenho essa dor e essa dor tem o tempo para se emudecer.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

wandering, but not lost.




Acordei sentindo a droga da cabeça doer novamente. E ouvindo as palavras daquela mulherzinha ecoarem como um som infinito nos meus ouvidos: "Levanta, garota! Seu pai faz tanto por você e nem ao menos gratidão recebemos de volta! Acorda! Quem mandou ficar na esbórnia ontem, hoje é dia de branco!"

É, beber em um domingo nem é sempre é uma boa ideia. Chegar em casa às 4h30 da manhã tendo que acordar uma hora depois para ir à aula menos ainda. O que dizer então da minha madrasta digna de contos de fadas da Disney? Acho que ela vai ressentir para sempre o fato de nunca ter podido engravidar do meu pai e eu sou a grande prova de que o problema (ah, o problema!) é inteiramente dela.

Minha mãe morreu jovem, mal havia completado cinco anos de casada com meu pai e se foi. Eu tinha dois anos, não lembro dela e não faço questão de lembrar. Todos aqueles clichês femininos nunca serão aplicáveis a mim. Eu sou bruta por natureza, por isso prefiro me agarrar ao que tenho, um pai omisso, uma madrasta neurótica e Jack. Digo, Jack Daniels. Não se engane, não tenho a mínima pretensão de fazer você chorar com minha história, detesto quem se coloca na posição de vítima. Eu sou disfuncional, por natureza.

Um dia sei que contarei histórias de tempos em que vivi em outros lugares, tempos de cupcakes pela manhã, pubs à noite, tempos de passeios venezianos, tempos de garoas londrinas, tempos longe, tempos de risos, tempos melhores. Por enquanto, essa sou, bêbada numa segunda-feira. Às vezes me pergunto se Freud teria a coragem de me definir, qual seria a força motriz (lê-se problema sexual) que desencadeia todos os meus problemas? Seria eu uma Electra e todo meu comportamento auto-destrutivo só uma forma de chamar a atenção de meu pai ou seria eu apenas uma lésbica de armário?

Bom, lésbica é verdade. De armário não. Há muito tempo aprendi a apreciar os prazeres femininos, a pele suave, as bocas vermelhas e as pernas. Ah, as pernas...Opa, melhor papai não ler isso. Acho que ele ainda sonha com netinhos. Certamente, Foucault diria que eu eu sou uma pessoa com potencial para institucionalização.

Eu me imagino presa em uma instituição, todo aquele drama vitoriano talvez me fizesse bem ou me matasse de vez. Uma coisa ou outra, tanto faz, não tem ninguém para tomar nota do que me acontece mesmo. Só eu e minha solidão. Eu e meus conflitos. Eu.

E me alimento de meus livros, minha música, toda a poesia que eles detêm. Sigo contando minha a vida a quem quiser ouvir porque um dia eu li que "It is far harder to kill a phantom than a reality"*. É por isso que eu conto minha realidade para que um dia, eu mesma, possa matá-la.



* "É muito mais difícil matar um fantasma do que uma realidade."
(Virginia Woolf in Professions for women)

Entrelinhas

- Ah, senta, vou passar um café. Faz tanto tempo que a gente não se vê (e você faz tanta falta). Senta que ainda temos tempo. (Senta que hoje eu te tenho pra mim.)

- Não sei se posso ficar muito tempo (me sinto mal por ter te deixado), mas você sabe que precisamos conversar sobre as coisas que tem acontecido. Risos. (E eu tento te dizer o quanto eu preciso de você).